Mulher, universitária e moradora da Baixada Fluminense
Ando na rua com um medo real de ser estuprada, fico atenta ao homem andando atrás de mim, ao carro passando na rua
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Sou mulher, universitária, moradora da Baixada Fluminense (São João de Meriti). Talvez você esteja se perguntando o porquê de eu ter me apresentado desta maneira; a resposta é simples: estas três características fazem com que eu passe por situações cotidianas que estão condicionadas as mesmas. Estudo psicologia na UFRJ da Praia Vermelha e levo diariamente duas horas para chegar na faculdade e mais duas para chegar em casa. Fazer o percurso casa-faculdade, faculdade-casa, sendo mulher é um grande desafio e um dos meus maiores medos cotidianos.
Todos os dias ao sair de casa, sinto-me incomodada com as cantadas que sou obrigada a ouvir e, sinto-me muito pequena quando não consigo responder por causa do medo que sinto. Ando na rua com um medo real de ser estuprada, fico atenta ao homem andando atrás de mim, ao carro passando na rua; são longas caminhadas de atenção e medo, raras são as vezes que consigo caminhar prestando atenção na paisagem e no vento que me toca o rosto. Quando estou no metrô e para um homem atrás de mim, fico atenta para observar qualquer movimento suspeito, quando possível mudo minha posição, vou tentando me proteger.
A cultura machista e patriarcal da nossa sociedade gera muito sofrimento em cada uma das mulheres.
O machismo é considerado, muitas vezes, algo natural. Porém, estou certa de que natural ele não é e, sim, recorrente.
Um dia, ainda na época da escola, estava andando em uma rua deserta a caminho do colégio com meu uniforme composto por uma saia de pregas e um par de meias três quartos, quando um homem disse: “Nossa! Essa sempre foi minha maior fantasia sexual!”. Ao ouvir esta frase, pensei em todas as coisas que eu deveria falar para aquele indivíduo, em todos os palavrões que ele merecia ouvir, mas eu não falei nada, porque percebi que na rua só havia eu e aquele sujeito, e me calei por medo.
Outra vez, estava sentada no banco do ônibus conversando com uma amiga quando senti que algo havia esbarrado no meu seio, achei que alguém tivesse esbarrado sem querer, porém quando olhei pela janela vi que um homem, que havia acabado de descer do ônibus, estava olhando para mim e rindo. Além de tocar meu seio ele quis que eu percebesse esta ação dele, e riu como se tivesse ganhado o dia. E eu, mais uma vez, me calei por medo.
Reagir a uma situação de assédio é muito difícil, porque não se sabe o potencial que o assediador tem de fazer coisas ruins, como agredir fisicamente. Vivo diariamente um dilema, pois sofro e me incomodo com os assédios direcionados a mim ou a outras mulheres, porém muitas vezes não reajo aos mesmos por medo de uma consequência pior.
Estudar a duas horas de distância de casa também me causa outros problemas, como desgaste físico, cansaço e ter que enfrentar a superlotação diária do transporte público. Ser moradora da Baixada Fluminense é um aspecto que interfere diretamente na minha vida como estudante, visto que, para ter um ensino de qualidade, preciso buscá-lo bem longe da minha residência. Poucos são os serviços de qualidade presentes na Baixada Fluminense, normalmente, precisamos realizar um extenso deslocamento para acessá-los.
Entretanto, a questão que mais me atravessa como mulher e que gera mais sofrimento é lidar com o machismo de cada dia. Machismo que delimita o que eu posso fazer, os espaços que eu posso ocupar e o horário que posso andar sozinha na rua. Machismo que me poda, me molda e me destrói todos os dias. Ser mulher é isso, sempre tentar buscar forças para lutar pela desconstrução dessa sociedade machista.